O chamado Espiritual
Eu suportaria a solidão se não fosse a dois,
se não houvesse o desencontro de alma;
o silêncio em minha voz,
se não fosse entre essas paredes que me sufocam,
se não fosse dentro dessas noites de torturas na alma,
se não fosse na multidão que não me vê,
na cidade que não adormece e me deixa só.
Ouso bater a porta de saída,
é o vento da chuva fina dos dias de varão.
Eu queria chorar até me sentir vazio de mim,
mas desaprendi, depois de tanto tempo tentando a ser forte.
Eu suportaria a solidão se a cidade me acolhesse,
se os amigos não fossem imaginários e os demônios tão reais,
se eu não estivesse aqui sem alma,
se eu não tivesse o medo de atravessar a fronteira
a caminho da solidão dos anacoretas.
Meu Deus!... porque me convidas para os teus silêncios,
para tua montanha onde ruivam os lobos famintos,
para seus precipícios que engolem universos,
para teu oceano onde sou nada e desapareço,
para a sua garganta...
Senhor das noites de angustia,
Que agora me tritura com seus dentes.
Porque me convidas a deixar as multidões,
porque me deste esse coração inconformado...
eu sei, eu sei, você estará comigo,
quando eu abandonar tudo e caminhar rumo aos teus silêncios.
Tenho os pés atados aos prazeres e a alma clamando por ti,
porque deste a mim alma que não pertence aos homens,
o olhar para além de tudo que é ilusão,
e a saudade de ti,
como se nós nos conhecêssemos a milhões de anos.
Deus, meu Deus porque me chamas...
porque suspiro tanto por ti...
porque me arrastas para a grande tormenta na alma.
Senhor das minhas noites de penitencias,
porque não aprendi a viver com os homens
na cidade que adormece paz,
porque eu tenho que peregrinar pelas estradas cheias de ladrões,
assassinos e todo tipo de malfeitores,
porque tenho que caminhar
rumo a mim mesmo por dias e noites infindáveis.
Porque não me deste a alma dos homens...
porque estou tão distante de casa,
porque eu quero tanto voltar para casa
feito um cão que foi carregado para longe...
Senhor, tenho tanto medo da solidão das estradas,
do perigo das montanhas, da correnteza das águas,
dos desertos cobertos de caveiras,
do frio das noites e da claridade dos dias
Que me expõe aos perigos...
dos atalhos e dos desvios
que me faz perder o caminho que me leva para casa.
Senhor, eu tenho sede...
J.Nunes