Encenação
O que projeto é o que penso que sou,
e qualquer projeção da mente
é ilusão de ser.
O olho que é tudo sobre tudo,
o olho que é imparcial
vê diante de si todas as coisas,
e está acima dos conceitos sobre as coisas.
O Imparcialismo
é o olho que olha do fundo,
ou antes de minha afirmação de ser.
Aceito essa afirmação mesmo que no fundo
apenas não confesso
que estou afirmando o que e quem não sou;
sei que se eu não aceitar essa autoafirmação falsa de ser,
não sobrará nada...
Não saberei quem sou e nem quem não sou.
Agora sei quem não sou
e sei também que não sou o que afirmo ser
e mais ainda,
não sou nem mesmo esse que vê quem não sou.
Estou muito mais ao fundo!
Lá no fundo de afirmar quem sou,
no fundo de saber quem não sou
está um outro saber quem não sou.
Essa frente e esse fundo,
essas imagens sobrepostas de mim
parece sempre como miragem de ser quem Sou,
cada vez mais longe e ao fundo de ser.
Ser é tão imenso e vasto que não se prende
a qualquer pensamento ou sentimento de ser.
Não afirmo o que sei que sou,
afirmo o que sei que não sou,
assim está melhor...
Deixei-me ser alguns pensamentos e alguns sentimentos
porque é necessário encenar e existir do modo que me projeto no mundo.
Projetar, encenar um papel, ter alguns gestos contidos
é existir como um ator que encena um papel.
Mas essa consciência de que sou apenas projeção e encenação
faz dessa peça e desse palco da vida tão sem significado
como quem continua escutando uma mentira e um mentiroso desmascarado,
tão sem sentido quanto o personagem
que sabe que é personagem no palco da vida.
Escapo dessa verdade de ser tudo projeção e encenação
olhando para o palco com o olho que olha antes de ser o que enceno ser,
depois desviando meu olhar para além do plano da matéria
ou para dentro de tudo que chamamos de realidade ou verdade,
mas que não passa de camadas infinitas de um todo.
Depois de não ser
é difícil existir e voltar a ser
o personagem que sabe que é personagem
e o ator que sabe que é personagem que encena ser ator e personagem.
José Nunes